Natal no supermercado



Cheguei há pouco do supermercado e nem vos digo os valores registados na escala de Natalli – que mede a intensidade do espírito de Natal a partir dos seus efeitos sobre as pessoas e sobre as estruturas construídas e naturais - nas filas das caixas. A habitualmente cordial operadora estava com um ar meio crispado, ainda achei que podia ser do fresco do ar condicionado, mas com tanta ginástica de braços só se estivesse morta. Muita gente em fila e com cara de poucos amigos, a esticar o pescoço que nem galinha de forma a perscrutar o volume de compras de cada um, numa ânsia desmedida de mudar para uma posição mais favorável no poleiro - por si só uma típica coreografia natalina; todos de sobrolho carregado e a lastimar-se como todos deixam tudo para a última hora, até eles mesmos - por si só um típico coro de natal.

Dei a vez a uma senhora de muita idade sem ela ter implorado. Só trazia uma garrafa de vinho na mão e eu senti-me de imediato solidária, quem sabe se não seria a sua única companhia à refeição, introspectei de coração apertado. Ela agradeceu-me, aliviada, enquanto me dizia que o marido estava à sua espera lá fora, às voltas no lotado parque de estacionamento onde lugares nem vê-los.O vinho era para ele, ela não bebia. A empertigada moça atrás dela olhou-me então com notório desdém: era jovem e trazia um carrinho bem recheado. Após relance indiscreto ao luxuriante conteúdo, imaginei no mínimo um marido, dois filhos de tenra idade, um gato e um amante. Há gente tão lisa de sensibilidade que não consegue relaxar da mona, nem durante a quadra da máxima conspiração do amor. Cheguei a casa contente, com a dopamina a bombar fruto da boa acção, evidentemente que só faço estas coisas porque sou uma viciada em endorfinas. Confesso que as faço todo o ano, como qualquer drogada competente já não luto contra o vício. 

Arrumadas as compras sentei-me na secretária e liguei o computador. Achei que era serviço público vir aqui de rajada lembrar-vos que não guardem para amanhã as compras que puderem fazer já hoje, imagino que amanhã o espírito de Natal vá bater records na escala de Natalli em todos os super da terra, acautelem-se, portanto. E basicamente era isso. Estou aqui coladinha ao radiador e agarrada às minhas bolas anti-stress de Natal, aperta que aperta, são tão macias, o seu toque agradável transporta-me de imediato para um patamar de serenidade. Há muitos anos que me são indispensáveis para passar pela quadra sempre com um sorriso nos lábios. As bolas anti-stress ajudam-me a lidar com os podres, enfim, tudo aquilo que estraga o Natal todos os dias. São verdadeiramente milagrosas, aconselho a todos experimentar. Ah, e também muito indicadas para o fortalecimento dos músculos dos dedos e das mãos porque no Natal nem tudo é paz e amor, momentos há que dá vontade de meter a mão na massa e fazer umas broinhas de Natal com frutos secos ou coisa assim.

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