A insustentável doçura do açucar


Finalmente a DGS quer reduzir para metade o conteúdo dos pacotinhos de açucar que são distribuídos nos cafés e similares. Além disso pretende-se que não sejam entregues de imediato mas apenas a pedido do consumidor. Quer-se diminuir o açucar na vida dos portugueses e esta é apenas uma parte desta operação ANTI-AÇUCAR que o diretor do Programa Nacional de Alimentação Saudável, Pedro Graça, anunciou há umas semanas.

Ao contrário dos tremoços que deviam vir obrigatoriamente incluídos com a cerveja, mas que nunca vêm, ou da casca de limão e gelo que deviam vir casadíssimos com a água tónica, os pacotinhos de açucar são um extra questionável, embora excelente veículo publicitário. Não me lembro de alguma vez ter usado um deles inteiro numa bica. Antes de banir por completo o açucar das bicas, leite, galão e maioria dos chás - o que aconteceu há 12 anos - eu abria o pacote, retirava uma colherita de açucar, enrolava diligentemente o açucar que restava e acomodava o pacotito  no pires. Não o fazia por questões de dieta ou de saúde mas simplemente porque um pacote de açucar transformaria o meu café numa xaropada enjoativa. Depois passei a trazer o açucar para casa e acabei por me transformar em involuntária coleccionadora de pacotes de açucar.

Sempre vi um enorme desperdício na distribuição dos pacotes - e lembro-me de em alguns cafés serem dois e não apenas um! Cheguei a falar nisso com donos de cafés e também esta ideia quer era a utilização de  um dispensador de açucar para combater esse desperdício. O que é que querem? O desperdício incomoda-me.  E já agora, reparem, andamos todos a pagar 8 gr de açucar quer utilizemos 1 gr ou nenhum. Com esta inovação também não sei se vão mexer no pacote "tudo incluído" já que pretendem não distribuir os pacotitos de imediato. Será que quem não quer açucar vai ter direito a um abatimento no preço da bica? Era bem vindo. Qualquer bebericador de café já fez certamente contas às bicas tomadas e sabe que no final do mês é uma renda! (Vai ser o princípio de uma revolução: a seguir será a vez do bolinho com ou sem guardanapo. É que há sempre quem limpe as mãos às calças.)

Abaixo o açucar! Estamos a viver dias de grande exaltação em torno do açucar. Isto tudo tem a sua época. Abaixo o tabaco, abaixo o café, abaixo o vinho, abaixo a manteiga. Ora, abaixo o abaixo. Uma história nunca vem só. Aparece uma a condenar e invariavelmente outra nos é vendida como alternativa porque a sociedade de consumo é tudo menos burra. Acenam-nos com uma cenoura e como é colorida e saudável, a gente trinca. Lá enchemos os bolsos de alguém mas, feitas as contas, o saldo nem sempre nos é favorável. Há prova irrefutável de que a vaga dos cigarros light, dos cigarros electrónicos, dos descafeinados ou dos produtos magros very light - no vinho ainda não conseguiram mexer-   nos tenham garantido melhor sabor e mais saúde? Eu continuo fiel à minha regra. Não tem base científica mas assegura que não fico maluca com tanto estudo científico que hoje diz e amanhã desdiz. Dou a quem a quiser levar e não preciso que me citem ou linkem: pouco de tudo. E em relação ao açucar faço o mesmo.

Infelizmente o açucar sabe bem e tem uma capacidade de viciar que não pode ser ignorada. Porque gordura ainda não é formosura muita gente olha para ele de esguelha. Mais difícil será  odiá-lo por razões históricas mas a exploração da cana de açucar terá sido uma das responsáveis pelo deshumano tráfico de escravos. Se por acaso é daquelas pessoas que come e volta a comer e nunca engorda, talvez seja um argumento a que se possa agarrar! A gordura não é o único problema. Os pediatras e nutricionistas andam doidos com uma constatação: aparecem nos consultórios crianças magricelas a sofrer de diabetes tipo 2, hipertensão, colesterol e ácido úrico elevados que são causados pelo consumo excessivo de açucares. Isso é o quadro que antecede problemas cardio-vasculares. É quase inacreditável que os miúdos estejam a sofrer de doenças que afectam os adultos. Será que um destes dias vamos ter crianças a cair no recreio vitimadas por insuficiências cardíacas provocadas por ingestão de demasiado açucar?! É um pensamento diabólico. A minha mãe  mandava-me lavar os dentes depois de comer um bolo por causa das cáries dentárias, mas os pais modernos têm agora argumentos bem mais preocupantes. Mudam-se os tempos, mudam-se as doenças. Só fazendo análises é que se podem constatar estas alterações. Se a criança não está gorda está saudável? Não. É preciso estar atento. E porquê? Porque quando eu era criança era fácil evitar o consumo do açucar. Mesmo assim os doces eram guardados para assinalar ocasiões festivas e momentos excepcionais. As sobremesas eram fruta e ao Domingo podia haver pudim caseiro ou pão de ló. A crescer desta maneira foi-me fácil transitar para a vida adulta sem grandes vícios alimentares. Mas as crianças de hoje - e os jovens e os adultos - vivem de pão de forma, cereais embalados, bolachas, refrigerantes, carnes frias, barras de cereais, batatas-fritas, enlatados, margarina, há uma variedade incrível de apelos e as formas de veiculação publicitária são também diversas e omnipresentes. O açucar dos pacotinhos de açucar - sacarose - é no meio de tudo isto um detalhe. Mas pode ser uma excelente bandeira para a campanha. Façam a experiência. Peguem em produtos nas prateleiras do supermercado  e observem os rótulos. É raro aquele onde não constam palavras como glucose, sacarose, frutose, dextrose, sorbitol, poliglicitol, galactose, etc. Tudo isto é açucar. E nesse casos não se pode comer só metade ou retirá-lo do produto. Aqui o açucar é unha com carne com o produto. E já agora aqui vai outra das minhas regras feitas em casa: produtos saudáveis são produtos sem rótulo.

Uma imagem que dispensa explicações.


O que nos deixa um problema amargo. Uma história nunca vem só. Há uma que corrre em paralelo a esta. É verdade que muita gente não se alimenta de forma muito saudável. Uma parte porque não sabe comer melhor, outra porque se está nas tintas para isso e outra, importante, porque não pode. Mais do que ler rótulos, os consumidores examinam e comparam os preços. Os bróculos - que eu adoro - têm oscilações de preço perfeitamente estúpidas. E o preço do feijão-verde? E o preço do azeite? E, porque não, o dos frutos secos? Ou mesmo um queijo? E o preço turístico das frutas em Agosto? Uma outra história que corre e depressa demais é a da rotina de grande parte das famílias. Ninguém tem tempo para nada e então em vez de se privilegiar o fogão privilegia-se a prateleira do hiper ou a tulha dos pré-cozinhados. Como é fácil de ver o açucar não é o único responsável por tudo quanto vai mal no reino da alimentação. Tenhamos atenção aos cristais brancos e seus derivados mas sem perder o contexto ou estaremos apenas a mudar sintomas. E deixemos também de pensar que a nossa vida muda por decreto. Nós mesmos, os indivíduos, temos o poder de mudar alguma coisa. Vamos tentar?






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