Felicidade é ganhar a lotaria e doar o prémio para a caridade


Allen e Violet Large, um casal de idosos que residiam em Truro, Nova Scotia, Canadá, jogaram e ganharam, em Julho de 2010, $ 11255272 jogando Lotto 649. Eles doaram 98% dos seus ganhos para a caridade. O prémio foi entregue a hospitais, bombeiros, cemitérios, igrejas e mais instituições. Violet Large, de 78 anos, sofria de cancro no momento em que a sorte lhes calhou em vez e acabou por falecer em 2011. Allen tinha 75 anos. Viviam numa casa velha de 147 anos, não tinham automóveis, nem sequer uma grande TV. Não mudaram em quase nada o seu estilo de vida.

Ao tomar conhecimento desta história imediatamente me veio à cabeça o velho dito dinheiro não traz felicidade. Millôr Flores, humorista e poeta brasileiro falecido há bem pouco, acrescentou Dinheiro não traz felicidade, manda buscar. Alguém também disse que essa frase mítica tantas vezes repetida não passa de boato espalhado pelos ricos para que os pobres não tenham muita inveja da vida que levam. Não me considero infeliz mas raramente penso na felicidade. Para mim a felicidade é um episódio que se experimenta de vez em quando e não um estado de permanência. Como estado considero-a inalcançável por natureza, já que conhecê-la gerará uma nova ânsia de felicidade. Nunca achei que pudesse ir atrás dela e agarrá-la com as duas mãos, torná-la minha e retê-la. Na minha ideia a felicidade tem uma natureza volátil e o seu quê de imprevisível. É assim como que um perfume para a existência. Quando se liberta, dissipa-se, deixa um rasto mas tem uma notável característica que é a impermanência. Isso nunca me preocupou pois o meu esforço é combater motivos de infelicidade, um a um, e não partir numa cruzada pela felicidade. Poderão dizer que é a mesma coisa, mas eu não penso assim. Ao colocar a fasquia demasiado alta correria o risco de me tornar uma eterna insatisfeita a batalhar por alcançar os objetivos inscritos na lista. Uma lista destas pode atirar-nos facilmente para o plano da irrealidade se comparada com a lista, mais terra-a-terra, do que terei de cumprir para não me considerar infeliz, lista muito mais maneira e útil porque mais exequível. Não me tenho dado mal com esta estratégia muito pouco científica mas reconheço que pode não funcionar para todos. Desde logo podem acusar-me de falta de ambição. Seja. Não somos todos iguais, aliás, este é o reino da subjectividade.







Há então quem diga que o dinheiro não traz felicidade. Certamente não trará a quem tenha todo o dinheiro do mundo. Uma vez que na sociedade capitalista não temos outra maneira de obter a mioria dos bens que necessitamos sem ser através do dinheirinho, parece-me evidente que o dinheiro traz felicidade. A felicidade pode bem ser ter um tecto para nos abrigarmos do frio e da chuva, um tecto modesto, mas ainda assim um tecto. E não precisa de ser o Castelo de Neuschwanstein! O dinheiro é apenas um meio para satisfazermos as nossas necessidades, básicas ou não, sendo que, de pessoa para pessoa, também depois varia o que é considerado necessário. Além disso, o dinheiro abre um leque de opções que podem traduzir-se em outras tantas hipóteses de “ser feliz” ou “mais feliz”. Quanto àqueles que já conseguiram comprar o melhor de tudo com o dinheiro que têm, a incansável sociedade de consumo encarregar-se-á de lhes sugerir novas ofertas, quantas vezes superfluas, mas que eles avidamente consomem: mais, maior, melhor, mais alto, reeinventam-se os limites do consumo e surgem comportamentos exibicionistas e excêntricos. (O assunto é sério e existe uma tipologia na Economia que destingue entre bens de Giffen que são bens de pequeno valor, porém de grande importância no orçamento dos consumidores de baixa renda, e os bens de Veblen que são bens de consumo ostentatório, obras de arte, jóias, tapeçaria e automóveis de luxo.) Este tipo de consumo perdulário aumenta a distância entre quem tem bens e quem não tem, esvazia a sociedade de sentido comunitário e não é saudável para o crescimento económico.

Mas um leque de opções existe que não é negociável já que ricos e remediados quantas vezes têm de se confrontar com os mesmos problemas - a falta irremediável de saúde, a perda de entes queridos, a inadaptação social, os vícios e dependências, o falhanço nas relações pessoais, familiares ou amorosas. Enquanto os remediados se debatem para pagar as contas, os que nadam em dinheiro arcam com a responsabilidade que a gestão de uma fortuna acarreta. Muitos deles não quereriam trocar de posições uns com os outros se isso lhes fosse oferecido, Pobrete, mas alegrete, eis mais um dito popular com fundo de verdade, e quem tem muito, regra geral, não aceita andar de cavalo para burro a não ser por azares incontornáveis da vida.







Ontem li uma notícia sobre mais um estudo entre dinheiro e felicidade e espanta-me que as universidades se dediquem a estudar estas coisas que me parecem tão básicas! Mas dedicam, donde infiro não devam ser tão básicas quanto parecem. Resta-me pensar que é assim que esses investigadores são felizes, a fazer estudos sobre a relação que há ou não há entre dinheiro e felicidade! Foi assim que fiquei a saber, por exemplo, que os brasileiros são aparentemente um povo mais feliz do que os portugueses. Mesmo quando o cruzeiro andava pelas ruas da amargura, o brasileiro era mais feliz que nós, nem no auge da avalanche de fundos da CEE o português se sentia feliz! O brasileiro é um português à solta, escreveu Agostinho da Silva! Para mim a liberdade é realmente um dos componentes da felicidade. Liberdade que se exterioriza em sentimentos positivos, energia, confiança, alegria, criatividade. Infelizmente os português típico ou comum parece prisioneiro do fado, herdeiro de uma herança de infortúnio que não se esgota, de geração em geração. Tudo vai mal mesmo quando vai bem, no mínimo vai assim-assim. Assumir de caras a felicidade até parece pecado ou asneira ou crime.

Infelizmente, o que me parece verdade no Portugal actual é, de facto, que mais dinheiro não traz felicidade. E porquê? Porque para a maioria das pessoas o acesso ao dinheiro não é fácil, ele faz-se por via do trabalho e para ter mais dinheiro as pessoas têm de trabalhar mais. E a forma como o trabalho se processa actualmente não ajuda à felicidade de ninguém. O trabalho está mal remunerado em muitas profissões. Basta ver o desnível que existe entre o salário de um professor e o de um gestor público! Quantas pessoas podem actualmente dar-se ao luxo de trabalhar no que gostam? A que custo ganham o seu salário? Saíndo de casa de madrugada, passando horas em transporte, regressando de noite, entregando seus filhos a instituições, algumas acumulando dois empregos para fazer face às despesas?







A felicidade e o dinheiro têm caminhos cruzados e muitas vezes paradoxais. Acreditar que o dinheiro é a chave para a felicidade pode até levar à ganância para no balanço final de horas de sacrifício dispendidas na missão se chegar apenas à triste conclusão de que não se soube gozar a vida. Mas quem nos dera a todos neste momento de austeridade campeã e dificuldades economico-sociais podermos ser gananciosos! Ainda assim eu gostaria de estar com Arthur Schopenhauer quando ele escrevia que A nossa felicidade depende mais do que temos nas nossas cabeças, do que nos nossos bolsos.Difícil sustentar esta ideia constatando a luta diária que se trava na actual sociedade portuguesa quando uma ida ao supermercado se pode transformar numa maratona de contas de cabeça para trazer o estrictamente necessário ao mais baixo preço para casa e pelo direito elementar de ser feliz à mesa.





Allen e Violet Large - para eles, a felicidade foi doar o prémio da lotaria.

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