Testemunho de uma norte-americana sobre os direitos das mulheres





Olá leitores e amigos!

Hoje trago-vos um texto que não é meu, mas que eu traduzi para vós com muito gosto. A Sue é norte-americana e ajudou-me aqui há uns tempos atrás sem me exigir contrapartidas algumas. Foi uma simpatia mesmo. Desde então eu visito o seu blogue - o texto original pode ser lido aqui - e hoje descobri lá este excelente testemunho sobre a evolução dos direitos das mulheres nos EUA. Em tempos estudei e dei formação nesta área. Até esse momento eu desconhecia a forma como o nosso Direito tratava as mulheres antes do 25 de Abril. Mesmo hoje, como todos sabemos, a igualdade na lei não se traduz em igualdade no mundo real. Depois de descrever o que viveu nos anos 60 e 70 e de evidenciar as mudanças registadas na evolução dos direitos das mulheres, a Sue termina com um alerta para as gerações jovens. Leiam, independentemente se serem homens ou mulheres, pois é um relato de parte da história de todos, não da Sue, mas de todos nós e está muito bem escrito.

Gostaria de receber comentários de pessoas que me pudessem transmitir as suas experiências/vivências neste campo pré- 25 de Abril mas já sei que é esperar demais...Boa leitura!


Não voltaremos atrás

Tentei manter certos assuntos longe deste blogue. Evitei religião e política tanto quanto me foi possível, MAS ontem foi o meu aniversário e senti necessidade de dizer algo. Sou provavelmente mais velha do que a maioria dos meus leitores e sei que muitos não partilharão da minha opinião, mas tenham paciência por esta vez. Há muito em jogo.

Estive envolvida no Movimento pelos Direitos das Mulheres por muito tempo. O meu envolvimento deu-se em quatro áreas, educação e emprego, direitos sociais e reprodutivos. Muitos de vocês são demasiado novas para se aperceberem de como as coisas mudaram ainda tão recentemente. A minha avó não tinha direito de voto. Assim que as mulheres alcançaram esse direito ela nunca mais nos deixou esquecer como era importante exercer esse direito. Recebemos um telefonema em cada dia de eleições para nos lembrar de votar. Eu nunca falhei uma eleição.

Sempre fiz planos de me tornar veterinária. Tinha as notas necessárias para isso e fui aceite na escola da minha escolha, mas havia uma quota em relação ao número de mulheres que podiam se aceites na escola de veterinária e eu ingressei na lista de espera. O trabalho era considerado fisicamente demasiado exigente para as mulheres. Escolhi não esperar e deixei a escola para entrar no mundo dos negócios.

Nos anos 60 e 70 os anúncios nos jornais estavam divididos entre emprego só para homens ou só para mulheres. Os principais trabalhos para as mulheres eram o ensino, a enfermagem e o clero. O empregador decidia se contratava uma mulher ou não. As candidaturas questionavam se a mulher era casada ou se planeava casar, se tinha ou se planeava ter filhos. Se uma candidata dizia que planeava ter filhos, era-lhe perguntado quando e que planos ela tinha para cuidar da criança. Aos homens nada era perguntado. Candidatei-me a um banco no Sul da Califórnia cujo formulário de candidatura tinha uma secção de questões sobre o ciclo menstrual.

Era esperado que as mulheres usassem saias para trabalhar independentemente do trabalho ou das condições meteorológicas. As calças compridas não eram permitidas e se uma mulher aparecesse no trabalho com umas era mandada para casa para trocar de roupa. As mulheres recebiam menos do que os homens executando o mesmo trabalho. Assumia-se que os homens eram o suporte da família mas mesmo que uma mulher fosse mãe solteira ou enviuvasse ela receberia menos. Não havia licença de maternidade. Se uma mulher casada engravidasse e saísse do trabalho para ter a criança, era substituida. Já uma mulher solteira que engravidasse poderia ser despedida pelo simples facto de engravidar.

Eu trabalhava como auditora num banco no centro de Nova Iorque quando me apercebi dos grupos de mulheres que se estavam a formar e da legislação que estava a ser discutida. Embora as Feministas fizessem cabeçalhos de jornal por simbolicamente queimarem os sutiãs, estas propuseram que as mulheres ficassem um dia em casa e exigiram o direito de poder usar calças compridas. Em conjunto com o grupo de empregadas mais jovens do banco eu fiquei em casa e o banco fez o acordo connosco. Podíamos usar calças com casacos a condizer. O banco reviu os salários que passaram a ser equivalentes aos dos homens na mesma função.

Fui a manifestações com algumas amigas e ouvi oradoras como Gloria Steinam e Bella Abzug. Era um tempo de exaltação. Em Siracusa, onde eu morava, havia dois restaurantes com bares lounge que não aceitavam a entrada de mulheres a não ser que acompanhadas por um homem. Não eram clubes privados, eram lugares públicos vedados às mulheres. Fizemos piquetes em torno destes sítios e conseguimos que a TV e jornais locais cobrissem as nossas reivindicações e os dois restaurantes acabaram por abrir as portas às mulheres. Lembro-me do primeiro dia em que o fizeram, uma amiga e eu almoçamos num deles e brindámos ao nosso sucesso.

Às mulheres que casavam eram suposto que adoptassem o apelido do marido e passavam a ser a Sra. Qualquer Coisa. Na minha pesquisa geneológica encontrei um obituário dos anos 70 onde se podia ler que a John Smith sobreviviam o seu irmão William Smith e as suas irmãs Sra. James Jones e Sra. George Brown. Um mulher casada era despojada da sua identidade e tornava-se um apêndice do marido. Como sabem, quando casei eu mantive o meu nome e adicionei o nome do meu marido a seguir a um hífen. Nos anos 70 eu não poderia ter feito isso.

O assunto que me puxou em definitivo para o Movimento pelos Direitos das Mulheres foi o direito de tomar decisões acerca do meu próprio corpo. Nesse tempo não havia o chamado date rape (violação no período do namoro) ou spousal rape (violação dentro do matrimónio). Uma mulher casada fica sob o domínio do marido. Ele decidia se e quando ela devia ter filhos, se e onde é que ela trabalharia fora de casa. Uma mulher solteira que engravidasse na sequência de um date rape ou porque o método contraceptivo falhasse tinha de escolher entre ter a criança ou arriscar a vida num beco nas mãos de alguém que talvez fosse ou não médico, ou fazendo um aborto auto-induzido.

Tornei-me voluntária da Planned Parenthood, organizei manifestações e falei com todos, em especial com os homens na minha vida. Precisávamos que eles percebessem o que estava em jogo e se juntassem a nós na tentativa de mudarmos as coisas. As coisas mudaram lentamente e nós demos nota de todas as pequenas mudanças e celebramos as grandes. Eu até apresentei queixa contra um empregador que me havia discriminado por ser mulher e ganhei!

Muitas e boas mulheres sofreram e, sim, morreram porque a mudança não aconteceu a tempo. Hoje vejo jovens mulheres tomarem por garantidos muitos dos seus direitos e vejo a oposição a crescer gradualmente na sua direcção. Receio que as duras vitórias ganhas se venham a perder e que a sociedade retroceda a tempos em que as mulheres não serão entendidas como indivíduos e em que as suas escolhas sejam restringidas. Precisamos de passar a nossa história às gerações vindouras e essas gerações precisam de estar alerta contra quem possa atentar contra os nossos direitos como mulheres.

Obrigada por me ouvirem/lerem.

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